A Oficina com Wal Mayans
Iniciamos este processo em fevereiro, com uma oficina
de Wal Mayans, de 10 dias. Dez dias de descobertas. Assim como previsto pela
Letícia, a oficina deu um gás para o início dos trabalhos, energizou, unificou
e motivou o grupo, encantados com o trabalho com um mestre. Foram 10 dias
intensos, emocionantes, sofridos. O trabalho do Wal mexe com as estruturas
fragilmente acomodadas de nós mesmos, há um confronto brutalmente delicado, não
apenas com nossas limitações físicas, evidenciadas nas dores musculares que nos
visitavam à noite, mas de maneira mais profunda nos truques sentimentais e
psíquicos que nos damos, quando achamos que somos fortes, e pior, quando nos
convencemos de que somos fracos. E então somos surpreendidos com o confronto
com nossas capacidades, e nossas desculpas caem por terra. As máscaras que
colocamos nos joelhos operados, nos corações frágeis, nos pulmões
congestionados, nos muitos anos pesando, nos supostos não-consigos, tudo é desmascarado,
e temos que encarar o fato de que sim, conseguimos. Acabam-se as desculpas para
o não mais tentar. E isso te dá gás. Ou te derruba. É preciso encontrar, então,
a coragem, que essa sim precisamos encontrar: coragem para ser o que podemos
ser.
Com o trabalho físico aprendemos a fazer mais
combinações com nossas cores, que com algumas primárias e outras secundárias,
cada um com o tom que puder, temos uma paleta maior que apenas o arco-íris.
Trabalhos com equilíbrio, com bastões, com pinturas, com voz, com latões, com
bolas, com água, e que retirando todos esses objetos, acrescentando outros,
criamos no final das contas, belas cenas. Isso foi uma das coisas que mais me
surpreendeu, a delicadeza e sensibilidade de Wal Mayans em transformar simples
sequencias de movimentos, que inicialmente não possuíam intensão nenhuma, em
cenas tocantes. De exemplo, uma cena criada a partir das sequencias de direções
do Simão e da Denize, ao som baixinho da voz dela cantando Asa Branca,
acrescentando Deferson e João marchando de um lado para o outro, resultou em
uma emocionante cena de guerra, de um pai tentando proteger sua filha, que se
perde em meio às bombas e inocentemente pede um chocolate a um soldado, que a
mata com um tiro. Este foi apenas um dos materiais que descobrimos possuir,
cito outras cenas: um velório de uma mulher desesperada, um marido infiel e um
filho tentando consolar a mãe, que após terminar este rito, se renova com a
água para uma outra vida; uma mulher que espera tanto por outro, que final das
contas esperava mais pela própria espera, e não o via chegar ao seu lado; uma
igreja fervorosa, com um pastor pregando as palavras da Bíblia e realizando
exorcismo de uma mulher, e nesta cena Fabiana nos deu uma belíssima sequencia
coreográfica, nos dando mostra de seu repertório corporal de mais de 20 anos de
exercício de movimentos corporais.
Nestes
10 dias criamos material que ainda estamos explorando, e criamos ainda mais.
Mas mais difícil do que criar material, é seleciona-lo.
Cria-ção
Após definirmos o pré-roteiro começamos então a criar
as cenas, a peça. E aí foram muitos jogos, muitas brincadeiras, buscando este
estado criança, que particularmente me é um tanto quanto difícil de me disponibilizar
para. Terapias à parte, ainda quando criança (típica frase de início de
terapia...)eu era muito individualista, gostava dos esportes individuais, dos
trabalhos escolares individuais, dos jogos que eu poderia jogar sozinha, do meu
quarto de filha (até então) única, meu quarto com meus brinquedos, em que eu
poderia fazer o que eu quisesse sem ter que lidar com a inconveniente vontade
dos outros de também fazer o que queriam. E agora, por mais irônico que pareça após esta
descrição, faço parte de um grupo. Um grupo, no sentido mais colaborativo
possível, em um sentido quase incompreensível para quem não faz parte deste
mundo, em um nível mais que familiar. E com este contraste me vêm a vontade de
fazer parte disso, de, afinal, me agrupar, fazer parte de algo além de mim
mesma, pois eu por eu mesma não faria é nada, devido ao irremediável fato de
que o que eu fizer apenas por mim vai morrer junto comigo. E então, para mim,
define-se: eu quero ou não quero. Eu quero.
E aí vem a primeira parte da criação, de
improvisações, para ter material para as cenas. Para mim era difícil confiar na
diretora, de que aquelas tardes e tardes e tardes [...] e tardes de
improvisações resultariam em alguma coisa, qualquer coisa que fosse, não
precisava nem ser uma peça. Aí vem a parte de acreditar no grupo, acreditar no
trabalho de todas estas pessoas unidas para um objetivo e se
dis-po-niii-bii-lii-zar para a criação. De novo, difícil. Apesar de todos os
toques, apesar da familiar voz me dizendo “o primeiro passo é mudar a energia e
o humor”, era difícil, E não ficou fácil, passei por esta etapa aos trancos e
barrancos. Tenho fé de que seja uma dificuldade inicial, resultado da falta de
experiência, de vivência, e principalmente na falta de prática nessa tal coisa
de grupo. Afinal, no individual é tudo mais fácil, e ficamos mal acostumados em
não ter que enfrentar dilemas, não ter que enfrentar confrontos, ninguém nos vê
chorar, ninguém faz questão de saber o que você pensa e sente, muito menos isso
faz parte do trabalho. Mas afinal das contas, dois meses de diiiis-poo-nii-bii-lii-zação
da equipe e conseguimos então, uma peça, com início, meio e fim
Esta é a atual fase do processo, de organizar os
esboços, tirar e acrescentar elementos deste esqueleto chamado “O Dorminhoco”.
Agora após todo aquele turbilhão de improvisações e criações, chega a hora do
desapego. Algumas de suas idéias serão cortadas, e você tem que aprender a
abrir mão delas, novamente, confiar na sensibilidade da diretora, e que por
mais que você, paaarticularmente, não goste de tal idéia, se o Grupo gosta você
não pode ser destrutivo, mas sim colaborativo, ver o lado bom das coisas, ser
positivo, pois idéias novas ainda terão que chegar e você tem que estar
diiiiis-pooo-ní-vel para a chegada delas.
E elas estão chegando, lindas. Como este Grupo tem
idéias lindas. O Dorminhoco está chegando, e com o seu crescimento estou
aprendendo a trabalhar, pois apesar de ser uma escolha de e para vida, é um
trabalho, e assim como o pintor de paredes aprende a pintar as paredes sem
sujar todo o chão e o rodapé e as paredes que não devem ser pintadas, o ator
também deve aprender a trabalhar sem querer ocupar mais ou menos espaço, mas
mesclando seu espaço com o dos outros, e então, colorindo. É o que estamos
fazendo agora, colorindo, cada um com suas cores, suas técnicas de pintura, um
desenho que já tem seus contornos e deve ser agora preenchido com cores, músicas,
palavras, e calor humano.
Escritos pueris. E crus.
Escritos pueris. E crus.
Nenhum comentário:
Postar um comentário