domingo, 20 de maio de 2012

O pró-cesso


A Oficina com Wal Mayans

                Iniciamos este processo em fevereiro, com uma oficina de Wal Mayans, de 10 dias. Dez dias de descobertas. Assim como previsto pela Letícia, a oficina deu um gás para o início dos trabalhos, energizou, unificou e motivou o grupo, encantados com o trabalho com um mestre. Foram 10 dias intensos, emocionantes, sofridos. O trabalho do Wal mexe com as estruturas fragilmente acomodadas de nós mesmos, há um confronto brutalmente delicado, não apenas com nossas limitações físicas, evidenciadas nas dores musculares que nos visitavam à noite, mas de maneira mais profunda nos truques sentimentais e psíquicos que nos damos, quando achamos que somos fortes, e pior, quando nos convencemos de que somos fracos. E então somos surpreendidos com o confronto com nossas capacidades, e nossas desculpas caem por terra. As máscaras que colocamos nos joelhos operados, nos corações frágeis, nos pulmões congestionados, nos muitos anos pesando, nos supostos não-consigos, tudo é desmascarado, e temos que encarar o fato de que sim, conseguimos. Acabam-se as desculpas para o não mais tentar. E isso te dá gás. Ou te derruba. É preciso encontrar, então, a coragem, que essa sim precisamos encontrar: coragem para ser o que podemos ser.
               Com o trabalho físico aprendemos a fazer mais combinações com nossas cores, que com algumas primárias e outras secundárias, cada um com o tom que puder, temos uma paleta maior que apenas o arco-íris. Trabalhos com equilíbrio, com bastões, com pinturas, com voz, com latões, com bolas, com água, e que retirando todos esses objetos, acrescentando outros, criamos no final das contas, belas cenas. Isso foi uma das coisas que mais me surpreendeu, a delicadeza e sensibilidade de Wal Mayans em transformar simples sequencias de movimentos, que inicialmente não possuíam intensão nenhuma, em cenas tocantes. De exemplo, uma cena criada a partir das sequencias de direções do Simão e da Denize, ao som baixinho da voz dela cantando Asa Branca, acrescentando Deferson e João marchando de um lado para o outro, resultou em uma emocionante cena de guerra, de um pai tentando proteger sua filha, que se perde em meio às bombas e inocentemente pede um chocolate a um soldado, que a mata com um tiro. Este foi apenas um dos materiais que descobrimos possuir, cito outras cenas: um velório de uma mulher desesperada, um marido infiel e um filho tentando consolar a mãe, que após terminar este rito, se renova com a água para uma outra vida; uma mulher que espera tanto por outro, que final das contas esperava mais pela própria espera, e não o via chegar ao seu lado; uma igreja fervorosa, com um pastor pregando as palavras da Bíblia e realizando exorcismo de uma mulher, e nesta cena Fabiana nos deu uma belíssima sequencia coreográfica, nos dando mostra de seu repertório corporal de mais de 20 anos de exercício de movimentos corporais. 
Nestes 10 dias criamos material que ainda estamos explorando, e criamos ainda mais. Mas mais difícil do que criar material, é seleciona-lo.


Cria-ção
                
        Após definirmos o pré-roteiro começamos então a criar as cenas, a peça. E aí foram muitos jogos, muitas brincadeiras, buscando este estado criança, que particularmente me é um tanto quanto difícil de me disponibilizar para. Terapias à parte, ainda quando criança (típica frase de início de terapia...)eu era muito individualista, gostava dos esportes individuais, dos trabalhos escolares individuais, dos jogos que eu poderia jogar sozinha, do meu quarto de filha (até então) única, meu quarto com meus brinquedos, em que eu poderia fazer o que eu quisesse sem ter que lidar com a inconveniente vontade dos outros de também fazer o que queriam.  E agora, por mais irônico que pareça após esta descrição, faço parte de um grupo. Um grupo, no sentido mais colaborativo possível, em um sentido quase incompreensível para quem não faz parte deste mundo, em um nível mais que familiar. E com este contraste me vêm a vontade de fazer parte disso, de, afinal, me agrupar, fazer parte de algo além de mim mesma, pois eu por eu mesma não faria é nada, devido ao irremediável fato de que o que eu fizer apenas por mim vai morrer junto comigo. E então, para mim, define-se: eu quero ou não quero. Eu quero.
                E aí vem a primeira parte da criação, de improvisações, para ter material para as cenas. Para mim era difícil confiar na diretora, de que aquelas tardes e tardes e tardes [...] e tardes de improvisações resultariam em alguma coisa, qualquer coisa que fosse, não precisava nem ser uma peça. Aí vem a parte de acreditar no grupo, acreditar no trabalho de todas estas pessoas unidas para um objetivo e se dis-po-niii-bii-lii-zar para a criação. De novo, difícil. Apesar de todos os toques, apesar da familiar voz me dizendo “o primeiro passo é mudar a energia e o humor”, era difícil, E não ficou fácil, passei por esta etapa aos trancos e barrancos. Tenho fé de que seja uma dificuldade inicial, resultado da falta de experiência, de vivência, e principalmente na falta de prática nessa tal coisa de grupo. Afinal, no individual é tudo mais fácil, e ficamos mal acostumados em não ter que enfrentar dilemas, não ter que enfrentar confrontos, ninguém nos vê chorar, ninguém faz questão de saber o que você pensa e sente, muito menos isso faz parte do trabalho. Mas afinal das contas, dois meses de diiiis-poo-nii-bii-lii-zação da equipe e conseguimos então, uma peça, com início, meio e fim
                Esta é a atual fase do processo, de organizar os esboços, tirar e acrescentar elementos deste esqueleto chamado “O Dorminhoco”. Agora após todo aquele turbilhão de improvisações e criações, chega a hora do desapego. Algumas de suas idéias serão cortadas, e você tem que aprender a abrir mão delas, novamente, confiar na sensibilidade da diretora, e que por mais que você, paaarticularmente, não goste de tal idéia, se o Grupo gosta você não pode ser destrutivo, mas sim colaborativo, ver o lado bom das coisas, ser positivo, pois idéias novas ainda terão que chegar e você tem que estar diiiiis-pooo-ní-vel para a chegada delas.
               E elas estão chegando, lindas. Como este Grupo tem idéias lindas. O Dorminhoco está chegando, e com o seu crescimento estou aprendendo a trabalhar, pois apesar de ser uma escolha de e para vida, é um trabalho, e assim como o pintor de paredes aprende a pintar as paredes sem sujar todo o chão e o rodapé e as paredes que não devem ser pintadas, o ator também deve aprender a trabalhar sem querer ocupar mais ou menos espaço, mas mesclando seu espaço com o dos outros, e então, colorindo. É o que estamos fazendo agora, colorindo, cada um com suas cores, suas técnicas de pintura, um desenho que já tem seus contornos e deve ser agora preenchido com cores, músicas, palavras, e calor humano.


Escritos pueris. E crus.

Nenhum comentário:

Postar um comentário